COMO VOCÊ SE RELACIONA COM O MUNDO?

Marcos Pontes
29/04/2007

Quando falamos em realizar sonhos, a palavra “realizar” tem um destaque todo especial. É ela que nos transporta do mundo das idéias, onde vivem os nossos sonhos, para o mundo real, onde vivem os produtos do nosso trabalho. “Realizar” representa todas as “ações” necessárias para isso. Nesse contexto, é muito importante conhecer todos os aspectos do ambiente onde serão desenvolvidas as ações, assim como todas as características do responsável por executá-las: você mesmo! Contudo, mesmo supondo que todo esse conhecimento tenha sido adquirido, ele de nada adiantará se também não soubermos “como” utilizá-lo na prática. Temos que saber como interagir de forma eficaz com o ambiente para atingir nossos objetivos. Isso é válido, tanto para adquirir os conhecimentos necessários quanto para nos expressarmos corretamente e conduzirmos nossas ações. É exatamente aí, nesse “meio de campo”, onde se encontra a “interface”. Isto é, tudo o que permite o nosso relacionamento com o exterior, o ambiente, o mundo que nos envolve.
De acordo com a minha interpretação prática operacional como astronauta e engenheiro, sempre buscando maximizar minhas habilidades para sobreviver a todas as condições hostis e atingir meus ideais, a interface pode ser representada por um modelo que inclui elementos dos dois sistemas: do ambiente e do ser humano. Podemos dividi-la em camadas, como se fosse uma cebola. Na parte mais externa, fisicamente fora do nosso corpo, estão os comandos, indicadores e controles dos equipamentos e recursos que teremos que utilizar. São através deles que conseguimos, receber as informações do ambiente e agir sobre ele. Numa espaçonave teríamos, por exemplo, os monitores dos sistemas, os instrumentos, os interruptores, as manetes de potência, os “checklists”, os manuais de procedimentos, o rádio, etc. Lembre-se que, aqui estamos falando em realizar objetivos de vida, assim, no caso geral, essa camada externa da nossa interface é composta também por jornais, televisão, computadores, internet, telefone, outras pessoas, etc. Podemos chamá-la de “camada de interface física externa”.
A próxima camada, já fisicamente “localizada” dentro de nós, chamamos de “camada de interface física humana”. Ela compreende todas as maneiras como o nosso corpo percebe as informações externas e executa nossas respostas. Assim, ela é composta pelos nossos cinco sentidos e pela nossa estrutura física, caracterizada pelas dimensões do corpo, pela capacidade muscular, pelas cordas vocais, etc.
Na sequência, encontramos as duas camadas mais profundas: o treinamento e o raciocínio. Note que, pelo nosso pequeno modelo, a partir de um certo “nível de profundidade” as camadas deixam de ser “físicas”, passando a ter um sentido mais abstrato relacionado com nossa preparação pessoal e processos mentais. Na região de “contato direto” com o que somos como indivíduos, o raciocínio representa as interações das novas informações com todas as experiências registradas em nosso cérebro, simulando possíveis consequências e determinando uma possível reação, baseada em lógica cognitiva e estímulos emocionais. Isso caracteriza um processo de interpretação e resposta. O treinamento é a camada que está entre o raciocínio e a interface física humana. É através dele que temos mais facilidade ou dificuldade de receber dados e responder fisicamente. Tempo de resposta, capacidade de reação, controle emocional, etc, podem ser extremamente melhorados através do treinamento adequado. Isso já dá uma dica importante da razão pela qual estamos analisando a interface. É evidente que o seu sucesso vai depender, e muito, da eficiência da interação com o ambiente, da sua interface. O pequeno modelo apresentado, embora simples e sem nenhuma pretenção científica, nos ajuda bastante a pensar sobre o processo e determinar o que é necessário para avaliar e melhorar nossa performance na interface. Ter maior conhecimento e acesso aos possíveis elementos da camada de interface física externa. Melhorar o desenho dessas interfaces para que sejam mais adaptadas às nossas condições físicas específicas. Isto é, imagine que você queira ser o melhor piloto de acrobacias do mundo, mas os comandos do seu avião não se ajustam exatamente para as dimensões do seu corpo. Sem problemas! Modifique o projeto para que você fique mais confortável! Isso irá ajudá-lo a melhorar sua performance. Extrapole essa idéia para executar as ações na direção dos seus ideais. Pense em tudo que pode ser melhorado em cada camada da interface! Preste atenção aos detalhes.
Por exemplo, talvez você sinta dificuldades para entender rapidamente o que as pessoas falam. Talvez você tenha alguma restrição física, como algum antigo, e nunca diagnosticado, problema de audição. Já pensou nisso? Faça um check-up na sua interface física. Cuide-se, faça esforços para melhorá-la. Desenvolva, estude procedimentos, treine, simule na sua mente, faça muitos “vôos mentais” através dos seus planos. Aperfeiçoe sua “camada de treinamento”. Ela pode ser a diferença entre a vida ou a morte, entre a falha e o sucesso!
Avalie constantemente a performance de sua interface! Mas lembre-se: é através dela que você “interpreta” o mundo. Isso significa que você precisa colocar o “ego” de lado, pensar sempre em termos relativos, comparativos, estatísticos, ser honesto consigo mesmo e ouvir, ouvir muito, as pessoas certas, as pessoas que te amam!
Nas próximas semanas continuaremos com uma visão sobre o “indivíduo”, completando o estudo inicial do ambiente, da interface e da pessoa, em busca da realização dos seus sonhos!


Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).

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