Quando falamos em realizar sonhos, a palavra “realizar”
tem um destaque todo especial. É ela que nos transporta
do mundo das idéias, onde vivem os nossos sonhos, para
o mundo real, onde vivem os produtos do nosso trabalho. “Realizar”
representa todas as “ações” necessárias
para isso. Nesse contexto, é muito importante conhecer
todos os aspectos do ambiente onde serão desenvolvidas
as ações, assim como todas as características
do responsável por executá-las: você mesmo!
Contudo, mesmo supondo que todo esse conhecimento tenha sido
adquirido, ele de nada adiantará se também não
soubermos “como” utilizá-lo na prática.
Temos que saber como interagir de forma eficaz com o ambiente
para atingir nossos objetivos. Isso é válido,
tanto para adquirir os conhecimentos necessários quanto
para nos expressarmos corretamente e conduzirmos nossas ações.
É exatamente aí, nesse “meio de campo”,
onde se encontra a “interface”. Isto é,
tudo o que permite o nosso relacionamento com o exterior,
o ambiente, o mundo que nos envolve.
De acordo com a minha interpretação prática
operacional como astronauta e engenheiro, sempre buscando
maximizar minhas habilidades para sobreviver a todas as condições
hostis e atingir meus ideais, a interface pode ser representada
por um modelo que inclui elementos dos dois sistemas: do ambiente
e do ser humano. Podemos dividi-la em camadas, como se fosse
uma cebola. Na parte mais externa, fisicamente fora do nosso
corpo, estão os comandos, indicadores e controles dos
equipamentos e recursos que teremos que utilizar. São
através deles que conseguimos, receber as informações
do ambiente e agir sobre ele. Numa espaçonave teríamos,
por exemplo, os monitores dos sistemas, os instrumentos, os
interruptores, as manetes de potência, os “checklists”,
os manuais de procedimentos, o rádio, etc. Lembre-se
que, aqui estamos falando em realizar objetivos de vida, assim,
no caso geral, essa camada externa da nossa interface é
composta também por jornais, televisão, computadores,
internet, telefone, outras pessoas, etc. Podemos chamá-la
de “camada de interface física externa”.
A próxima camada, já fisicamente “localizada”
dentro de nós, chamamos de “camada de interface
física humana”. Ela compreende todas as maneiras
como o nosso corpo percebe as informações externas
e executa nossas respostas. Assim, ela é composta pelos
nossos cinco sentidos e pela nossa estrutura física,
caracterizada pelas dimensões do corpo, pela capacidade
muscular, pelas cordas vocais, etc.
Na sequência, encontramos as duas camadas mais profundas:
o treinamento e o raciocínio. Note que, pelo nosso
pequeno modelo, a partir de um certo “nível de
profundidade” as camadas deixam de ser “físicas”,
passando a ter um sentido mais abstrato relacionado com nossa
preparação pessoal e processos mentais. Na região
de “contato direto” com o que somos como indivíduos,
o raciocínio representa as interações
das novas informações com todas as experiências
registradas em nosso cérebro, simulando possíveis
consequências e determinando uma possível reação,
baseada em lógica cognitiva e estímulos emocionais.
Isso caracteriza um processo de interpretação
e resposta. O treinamento é a camada que está
entre o raciocínio e a interface física humana.
É através dele que temos mais facilidade ou
dificuldade de receber dados e responder fisicamente. Tempo
de resposta, capacidade de reação, controle
emocional, etc, podem ser extremamente melhorados através
do treinamento adequado. Isso já dá uma dica
importante da razão pela qual estamos analisando a
interface. É evidente que o seu sucesso vai depender,
e muito, da eficiência da interação com
o ambiente, da sua interface. O pequeno modelo apresentado,
embora simples e sem nenhuma pretenção científica,
nos ajuda bastante a pensar sobre o processo e determinar
o que é necessário para avaliar e melhorar nossa
performance na interface. Ter maior conhecimento e acesso
aos possíveis elementos da camada de interface física
externa. Melhorar o desenho dessas interfaces para que sejam
mais adaptadas às nossas condições físicas
específicas. Isto é, imagine que você
queira ser o melhor piloto de acrobacias do mundo, mas os
comandos do seu avião não se ajustam exatamente
para as dimensões do seu corpo. Sem problemas! Modifique
o projeto para que você fique mais confortável!
Isso irá ajudá-lo a melhorar sua performance.
Extrapole essa idéia para executar as ações
na direção dos seus ideais. Pense em tudo que
pode ser melhorado em cada camada da interface! Preste atenção
aos detalhes.
Por exemplo, talvez você sinta dificuldades para entender
rapidamente o que as pessoas falam. Talvez você tenha
alguma restrição física, como algum antigo,
e nunca diagnosticado, problema de audição.
Já pensou nisso? Faça um check-up na sua interface
física. Cuide-se, faça esforços para
melhorá-la. Desenvolva, estude procedimentos, treine,
simule na sua mente, faça muitos “vôos
mentais” através dos seus planos. Aperfeiçoe
sua “camada de treinamento”. Ela pode ser a diferença
entre a vida ou a morte, entre a falha e o sucesso!
Avalie constantemente a performance de sua interface! Mas
lembre-se: é através dela que você “interpreta”
o mundo. Isso significa que você precisa colocar o “ego”
de lado, pensar sempre em termos relativos, comparativos,
estatísticos, ser honesto consigo mesmo e ouvir, ouvir
muito, as pessoas certas, as pessoas que te amam!
Nas próximas semanas continuaremos com uma visão
sobre o “indivíduo”, completando o estudo
inicial do ambiente, da interface e da pessoa, em busca da
realização dos seus sonhos!
Marcos
Pontes
Colunista,
professor e primeiro astronauta profissional lusófono
a orbitar o planeta, de família humilde, começou
como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP),
para se tornar oficial aviador da Força Aérea
Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder
de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica
e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado
pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA). |